segunda-feira, 20 de julho de 2009

Viver no D'Ouro


Estou agora de passagem pelo município de Jordão. Cheguei no final da tarde de ontem para denunciar ao delegado de polícia a presença de invasores na Terra Indígena Tarauacá. Invadem-na para caçar e pescar. Não posso fazer nada além de denunciar e exigir providências. Não tenho homens suficientes para expulsá-los.

Minha atividade como indigenista foi mesmo a melhor opção de minha vida. Cada vez mais me dou conta do quanto a vida na cidade é um caos. Há quase cinco anos fui para a Frente de Proteção Etno-Ambiental do Envira, onde o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior, meu pai, é chefe há quase 20 anos.

Passei dois anos com ele. Quando foi flechado eu estava lá e o socorri. Aquele domingo ainda está bastante vivo na minha memória. Como bom escritor que é, meu pai fez uma relatório intitulado “As lições do domingo”. Até hoje não consigo terminar de ler sem me emocionar, afinal o "velho do rio" nasceu novamente.

Há três anos foi aberto o posto da Foz D’Ouro e logo assumi a chefia. Confesso que no começo não gostei. Para chegar ao posto gastei três dias numa canoa com o rio seco, literalmente. Minha vontade foi de voltar imediatamente, acostumada com o rio Envira, que é navegável o ano todo. Jamais imaginei que o Tarauacá fosse assim.

Passado um mês no posto, fui me apaixonando pelas belezas que aqui encontrei. Gradativamente, comecei a enxergar com outros olhos essa nova terra. O rio com seus repiquetes, levando tudo e todos a sua frente, passou a merecer o meu respeito. Aprendi que tudo tem seu tempo e sua hora, que basta cessar as chuvas para ele voltar a ser manso novamente.

Por aqui, o entardecer nos convida a pensar na vida, a sermos mais humildes diante da natureza. Além disso, é bom colher a fruta no pé e saborear, ir à praia cheia de melancia e comer até a barriga doer ou sentar no "banco da mentira" e contemplar o infinito do horizonte com tantas cores.

E o rio segue correndo como se já soubesse tudo da vida. E ele sabe. As pessoas perguntam como é viver no D'Ouro, mas não dá pra explicar muito com palavras. Seria necessário que pudessem enxergar através de meus olhos. Talvez alguns mais atentos encontrariam a resposta. Mas posso afirmar que aqui é mais que o paraíso.

Fiz um pacto de cuidar do rio e ele por sua fez cuida de mim, aliviando minhas angústias e saudades, deixando-me mais próxima das pessoas que amo. É assim que tento explicar um pouco a minha vida no D’Ouro.

Um comentário:

Tikuna72 disse...

Olá, Paula.

Acompanho há algum tempo o trabalho de seu pai e agora, o teu.

Deve ser fantástico viver num lugar assim e desenvolver um trabalho tão importante.

Estás num lugar privilegiado, em contato direto com o mais puro do natural e do humano, apesar de todas as ameaças que a cercam.

A civilização adestra [domestica] os animais, as plantas e os territórios, exterminando a forma selvagem [natural]. É cada vez mais raro encontrarmos as formas naturais, ao mesmo tempo em que há superpopulação de seres domesticados em todos os cantos.

O mesmo que a civilização faz com com os "outros seres", faz primeiro consigo mesma. Mais adestrados e domesticados estão os próprios homens que pertencem e fazem a civilização. Podemos dizer que o próprio homem está em extinção, na sua forma selvagem, pura, natural.

Resta-nos saber se os seus "homens invisíveis", que agora tem o direito a escolher se desejam ou não fazer contato, darão mais valor à sua independência ou se cederão à sedução e encanto que a civilização oferece. Se buscarão continuar sendo livres ou se haverá vontade de penetrar no grande rebanho e aí sim, desaparecerem e tornarem-se invisíveis de fato.

Aqueles que chamas de "homens invisíveis" na realidade são homens livres. São os homens domesticados que não conseguem os enxergar.

Alonguei-me um pouco, é o incômodo em estar na cidade grande encontrando uma forma de desabafar.

Escreva mais, suas descrições do dia-a-dia são lições de vida.

Parabéns, sucesso, um abraço.

Clovis Andrade